Caim e Abel apresentaram suas oferendas a Deus. Caim, lavrador, ofereceu os produtos do solo; Abel, pastor de ovelhas, trouxe as primícias e a gordura de seu rebanho. O que aconteceu a seguir mudou para sempre a história: Deus se agradou mais das oferendas de Abel. E, como todos sabem, a ira e a inveja tomaram conta de Caim, deixando-o abatido e furioso. Deus percebeu sua condição e o advertiu contra os perigos da tentação:
— Se te comportares bem, serás aceito, mas, se não, o pecado jaz à porta.
Uma alma maldisposta é alvo fácil para os piores pecados. E foi assim que Caim chamou Abel para uma caminhada nos campos e, tomado pela inveja, matou seu irmão. Caim foi o primeiro assassino, o primeiro revolucionário, o primeiro igualitarista e o primeiro psicopata.
A passagem bíblica que segue é devastadora. Deus, que tudo sabe, ainda assim pergunta a Caim:
— Onde está teu irmão Abel?
Ao que Caim responde:
— Não sei. Acaso sou o guarda do meu irmão?
A resposta de Deus ecoa pelos séculos:
— Que fizeste! Ouço o sangue do teu irmão clamar do solo por mim!
Caim, marcado por Deus para que ninguém o matasse, foi condenado a vaguear pelo mundo, indo habitar na terra de Nod, a leste do Éden. Mas há um detalhe que, frequentemente, é esquecido nessa narrativa. Caim, após conhecer sua mulher, tornou-se o construtor da primeira cidade. Em sua magnífica interpretação do Livro do Gênesis, o professor José Monir Nasser ressaltava que esse detalhe esquecido demonstra que a sociedade humana, em sua essência política, foi fundada sobre um ato de inveja e violência. O primeiro assassinato bíblico, manchado pelo sangue de Abel, imprime sua marca em todas as sociedades políticas que viriam a surgir. Assim como o pecado de Adão e Eva condenou a humanidade à mortalidade, o crime de Caim condena as sociedades humanas a carregar o peso da inveja, da traição e do ressentimento.
Sim, meus sete amigos leitores: a política foi fundada por um psicopata.
Essa leitura da história de Caim e Abel se conecta de maneira perturbadora com os tempos atuais. Quando passamos os olhos pelas manchetes, percebemos que o mal está solto no mundo. E esse mal não é novo; ele é a continuação do que começou lá em Caim.
Em sua obra “Ponerologia: Psicopatas no poder”, o psicólogo polonês Andrew Lobaczewski (1921-2007) nos alerta para o perigo dos psicopatas que ascendem ao poder, criando sistemas políticos onde a mentira, o engano e a traição são engrenagens essenciais.
Lançada no Brasil pela Vide Editorial, com tradução de Adelice Godoy e prefácio de Olavo de Carvalho em 2014, quando o Brasil vivia o pesadelo do governo Dilma, essa obra revela que estamos às voltas com os mesmos demônios que assombraram as primeiras sociedades. A palavra "ponerologia” vem do grego "poneros", que significa “o mal”. E o que Lobaczewski faz é estudar justamente as origens desse mal nas pessoas e nas sociedades.
O mal que fluiu da inveja de Caim e se expandiu para os sistemas políticos.
O autor descreve como os psicopatas que chegam ao poder — tal como Caim fundou a primeira cidade — agem sem culpa, sem compaixão. Para eles, a vida não passa de uma busca por poder, prazer e controle.
O mais assustador, porém, é que eles têm uma habilidade especial: reconhecer seus iguais. E, ao se unirem, formam partidos, máfias, governos. Declaram guerra contra o que Lobaczewski chama de “seres humanos normais” — pessoas voltadas ao amor, à família, à fé e ao trabalho. É o que aconteceu no Leste Europeu, na China maoísta, na Cuba de Fidel Castro e em tantos outros regimes totalitários.
A mesma lógica está presente nos regimes latino-americanos que seguem a cartilha do Foro de São Paulo e no atual regime PT-STF. A política, fundada por um psicopata, foi moldada por muitos outros ao longo da história.
“Em qualquer sociedade do mundo, indivíduos psicopatas e outros tipos irregulares criam uma rede comum de conluios, parcialmente alienada da comunidade de pessoas normais”, diz Lobaczewski.
A patocracia — o governo dos psicopatas — inverte os valores morais. Como aconteceu com Caim, os psicopatas não entendem as leis e os costumes que regem os homens e mulheres normais
Para eles, essas normas são opressivas, uma estrutura de força que precisa ser derrubada. Assim, como Caim matou Abel, os psicopatas no poder destroem a verdade, a justiça e qualquer vestígio de moralidade.
Embora o número de psicopatas numa sociedade raramente ultrapasse 6% da população, seu comportamento é epidêmico. Autores que viveram sob regimes totalitários, como Soljenítsin e Brodsky, relatam que, nesses sistemas, a mentira não só se torna comum, como obrigatória. O mal vira uma estratégia de sobrevivência. Dizer a verdade torna-se um ato de heroísmo.
Caim, o primeiro psicopata, erigiu a primeira cidade. Suas sementes se espalharam ao longo da história e continuam a florescer nos sistemas políticos corruptos, onde a traição e a inveja são moeda corrente. A política, fundada no sangue de Abel, está irremediavelmente marcada pelo mal. Os filhos de Caim ainda governam. Tudo que podemos fazer, diante dessa realidade, é o que Caim não fez: implorar a misericórdia de Deus. E, ao mesmo tempo, lembrar as palavras de Soljenítsin: “Que a verdade venha ao mundo; que ela até triunfe — mas não por meio de mim.”