A primeira-dama tem um alerta para os cidadões de todo o planeta. Ou melhor seria um chamado mais abrangente: cidadões e cidadoas. O alerta é simples e urgente: preservem a Amazônia antes que as queimadas mentais destruam por completo o idioma e demais regras da sociedade culta.
O salto da natureza para a cultura, grande conquista do homo-sapiens, hoje parece que não foi tão importante assim. As estruturas construídas pela consciência, que vinham servindo para colocar o homem acima dos seus instintos animais, podem ter sido uma grande epopeia cenográfica. Duvida? Então olha em volta.
Os “cidadões” exortados pela primeira-dama da República Federativa dos Amigos do Rei já tinham sido conclamados anteriormente, outro dia mesmo, por uma representante da elite intelectual. Ou pelo menos aquilo que se considerava elite intelectual - universo no qual se poderia incluir os jornalistas. É bem verdade que o conceito de jornalista também mudou. Hoje fica difícil separar o que é jornalista, checador, distribuidor de panfleto, censor e dedo-duro. Mas uma figura de uma dessas categorias também fez menção, numa rede de TV aberta, aos cidadões brasileiros. O nome da emissora era “Cultura”. Viu como as suas referências estão defasadas?
Se isso te parece uma epidemia de ignorância, você está desatualizado. Hoje em dia tudo é “flexibilizável”. Tudo é “ressignificável”
Talvez “cidadões” seja uma forma culta e evoluída de retirar a masculinidade tóxica do termo. Por que não? Se tem gente lendo e interpretando as leis como lhe dá na telha, por que não podemos aqui fazer a nossa própria sentença sobre a semântica? Ou cemântica? Se a palavra se sente melhor com c do que com s, quem sou eu para contrariá-la? Basta de preconceito.
Fica combinado assim: o salto da natureza para a cultura foi um mal-entendido. O homem precisa reaver seus instintos naturais. Quer meter a mão na propriedade alheia? Vai fundo. Quer corromper a linguagem para parecer descolado e enganar uns trouxas? Não se reprima. Quer chamar censura de defesa da democracia? A casa é sua. Global citizens do mundo inteiro: liberou geral.
Guilherme Fiuza
Jornalista, escritor, autor de “Meu nome não é Johnny”, “Bussunda - A vida do casseta” e “O passado promete”, entre outros. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.