(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 27 de novembro de 2024)
O jornal The New York Times, tido como o Alcorão da correção política e do avanço civilizatório mundiais, acaba de publicar uma reportagem dizendo para o resto do planeta o que os brasileiros já sabem de cor: o STF anula em massa crimes confessos das empresas comprovadamente mais corruptas do Brasil, e devolve a cada uma delas o dinheiro que roubaram. Justo agora, quando o mesmo STF diz que continua salvando o país de um golpe militar devastador? Justo agora.
Há duas perguntas a respeito do tema. Primeira: o New York Times é um jornal bolsonarista? Segunda: um STF apontado, com base nas sentenças que assina, como o maior incentivador da corrupção no mundo pode ser levado a sério em alguma coisa? O artigo 1º. da Constituição Federal brasileira, conforme ela é executada hoje pelos ministros, estabelece que qualquer objeção ao STF tipifica o delito de bolsonarismo qualificado. Mas no caso não é assim, obviamente. Como fica?
Nossa “suprema corte” colocou o Brasil numa situação inédita em toda a sua história. Só a Odebrecht e a Braskem, só elas, confessaram nos Estados Unidos sua culpa em crimes de corrupção ativa e aceitaram pagar US$ 3,5 bilhões de multa. No Brasil, a mesma Odebrecht e a JBS fizeram exatamente a mesma confissão e jamais retiraram uma sílaba de tudo o que confessaram. Mas aqui, por decisão do STF, e só dele, recebem de volta todo o dinheiro que prometeram pagar para sair da cadeia.
Os fatos descritos acima são apenas isso — fatos concretos, certos e consumados às vistas do público. Está acima de qualquer discussão, também, que o STF e a Polícia Federal violaram objetivamente a lei, em mais de uma ocasião, para executar desejos políticos. Basta ver, para ficar num caso só, o que estão fazendo com o ex-assessor presidencial Filipe Martins. É uma fotografia da Justiça brasileira de hoje.
Martins ficou seis meses preso sob a acusação de ter ido para os Estados Unidos se esconder de crimes que, segundo a PF, teria cometido ou iria cometer. O suspeito provou, com passagem de avião, recibos do Uber e localização geodésica do seu celular, que tinha ido para Ponta Grossa, e não para a Flórida — e que o documento da sua suposta entrada nos EUA foi falsificado por um funcionário da imigração norte-americana. É acusado agora de não ter ido. Para a PF, ele teria “forjado” a viagem para embaralhar as “pistas”. É esse o nível.
Uma democracia está com problemas sérios se depende, para a sua sobrevivência, deste tipo de tribunal supremo e deste tipo de polícia. Hoje é obrigatório mostrar fé cega na PF e no STF, mesmo quando ela diz que um documento crítico para provar o golpe ora em apreciação não pode ser exibido por que foi “rasgado” — ou quando o presidente da Corte afirma que um grupo de magistrados que apaga crimes confessos de corrupção “recivilizou” o Brasil. Faz nexo, no mundo do pensamento racional?