Montanhas de lixo se acumulam a céu aberto, enquanto o chorume e a fumaça de queimas irregulares se misturam ao zumbido de moscas. Embora o cenário possa parecer um resquício do passado, em Mato Grosso do Sul, 22 cidades ainda mantêm ativos vazadouros a céu aberto, os chamados ‘lixões’, enquanto apenas 20 contêm aterros sanitários.
Em 2010, a PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) estabeleceu prazos para a implementação de soluções ambientais adequadas para o descarte de resíduos. Assim, municípios com mais de 50 mil habitantes deveriam eliminar os lixões e implementar aterros sanitários até agosto de 2023.
Entretanto, mais de uma década depois, o descarte correto de resíduos segue sendo um desafio para a preservação ambiental em Mato Grosso do Sul. Dados do Suplemento de Saneamento da Munic 2023 (Pesquisa de Informações Básicas Municipais), divulgados nesta quinta-feira (28) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostram que 22 dos 79 municípios do Estado ainda mantêm lixões, o que representa 25% do total.
Destinação de resíduos em MS (Lethycia Anjos, Midiamax)
A pesquisa diferencia os três principais tipos de destinação final dos resíduos sólidos:
Lixão – vazadouro a céu aberto. Não possui nenhum tipo de controle, gerando poluição para o ar e para o solo, com o chorume entrando em contato com o lençol freático.
Aterro controlado – apresenta algum nível de gestão dos resíduos, como captação e queima de gás metano. Apesar disso, não garante total adequação ambiental.
Aterro sanitário – há a gestão correta dos resíduos, com captação e queima de gás metano e ligação a uma ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) para tratamento do chorume. Não há contaminação do lençol freático.
Lixão e aterro sanitário (Divulgação, IBGE)
A presença desses lixões representa sérios riscos ao meio ambiente, como a contaminação do solo e das águas subterrâneas, além de impactar a saúde de comunidades vulneráveis ​​que vivem próximas a esses locais. Entre as 22 cidades que ainda mantém lixões, dois vazadouros estão situados em áreas alagadas ou alagáveis, ampliando o potencial de danos ambientais.
Em contrapartida, Mato Grosso do Sul conta com apenas 20 aterros sanitários, estruturas fundamentais para o manejo correto dos resíduos. Além disso, 9 municípios utilizam aterros controlados, uma solução intermédia entre os lixões e os aterros sanitários.
Os dados revelam também a presença de outras estruturas de resíduos orgânicos no Estado: 40 áreas de bota-fora (usadas para deposição de resíduos de construção civil – terraplanagem), 5 unidades de compostagem de resíduos orgânicos, 19 instalações para recuperação de materiais recicláveis, 4 unidades de incineração e 50 áreas de transbordo, destinadas ao transporte de resíduos para locais de disposição final.
A implantação de aterros sanitários no Brasil enfrenta obstáculos significativos, especialmente nos pequenos municípios, que são os que mais recorrem aos lixões. Entre as dificuldades estão a falta de recursos financeiros e a dificuldade em articular projetos junto ao governo.
Conforme o levantamento do IBGE, a falta de incentivos financeiros/fiscais e/ou previsão orçamentária foi a maior dificuldade relatada, informada por 2.872 municípios. Áreas construídas consolidadas (áreas urbanizadas densas ou ocupadas há mais de 10 anos) – relatadas por 2.296 municípios, ocupando o segundo lugar em dificuldades para expansão ou implementação de drenagem sustentável. Falta de pessoal qualificado (2.162) e ausência de legislação (2.152).
Gerente da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, Fernanda Malta, ressalta que o lixão e o aterro controlado possuem características semelhantes, mas ambos se diferenciam do aterro sanitário, que seguem normas técnicas e ambientais rigorosas para o manejo de resíduos, trazendo menos impactos ao meio ambiente.
“O lixão não possui nenhum tipo de controle, enquanto o aterro controlado, como o nome sugere, apresenta algum nível de gestão, porém sem garantir total adequação ambiental. Já o aterro sanitário foi construído para isso, portanto possui toda a estrutura necessária, como o tratamento do chorume, por exemplo”.
Os lixões ainda são a principal unidade de disposição final de resíduos no país. No panorama nacional, 31,9% dos municípios brasileiros ainda utilizam lixões como unidade de disposição final de resíduos sólidos, considerada a pior maneira de destinação final do resíduo. Em 28,6%, ainda há aterros sanitários, enquanto aterros controlados são utilizados em 18,7%.
Em 3.364 (60,5%) municípios com algum serviço em manejo de resíduos sólidos havia coleta seletiva, enquanto 56,7% implementaram instrumentos legais que tratam sobre coleta seletiva, indicando que há uma aproximação entre a legislação e a prática em pouco mais da metade dos municípios brasileiros.
Dos 5.557 municípios com serviço de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, 4.093 (73,7%) indicaram presença de catadores informais. Já as entidades de catadores que atuaram na coleta seletiva estavam presentes em 1.498 (27,0%) municípios.
Entre as grandes regiões, os lixões ainda eram utilizados em 73,8% dos municípios na Região Norte, 51,6% no Nordeste, 52,9% no Centro-Oeste, 12,1% no Sudeste e 5,7% no Sul.