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Dados do agro enviados à ONU pelo Ibama e não pelo Ministério da Agricultura podem gerar distorções

Redação
Por: Redação Fonte: Gazeta do Povo
11/03/2025 às 17h45
Dados do agro enviados à ONU pelo Ibama e não pelo Ministério da Agricultura podem gerar distorções
FPA denuncia que dados d agro brasileiro são informados à ONU pelo Ibama e não pelo Ministério da Agricultura. (Foto: Jaelson Lucas/ AEN)

Uma missão realizada pelo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Congresso Nacional, deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), pela senadora Tereza Cristina (PP-MS) e representantes do setor produtivo do agro brasileiro ao Parlamento Europeu e à União Europeia em fevereiro revelou que os dados sobre a produção agrícola brasileira enviados à Organização das Nações Unidas (ONU) são produzidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e não pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Segundo Lupion, a informação gerou preocupação e pode explicar os motivos pelos quais organismos internacionais, como a própria União Europeia, usam dados e informações equivocadas e acusam o agronegócio brasileiro de devastar a natureza. A FPA argumenta que o Brasil utiliza um processo rigoroso de controle de uso de defensivos agrícolas, de manejo e de preservação ambiental.

Em fevereiro, a FPA e representantes da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) foram à Europa, visitaram o Parlamento Europeu, e também a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O objetivo era mostrar a realidade produtiva do país diante da “inércia do governo em comunicar sobre o sistema de produção brasileiro”.

“Recebemos esse dado que nos assustou muito. Os dados da FAO, que é a grande responsável pelos números, as estatísticas do agro no mundo, são preenchidos e enviados pelo Ibama e não pelo Ministério de Agricultura, ou seja, a proporção de uso de solo, de defensivos agrícolas e de fertilizantes. Isso está completamente equivocado e coloca a gente com uma pontuação lá embaixo, que gera toda essa discussão, embargos e problemas que temos enfrentando no mercado externo”, afirma.

A Gazeta do Povo procurou a FAO, o Ibama, o Ministério do Meio Ambiente, ao qual o Ibama está vinculado, o Ministério da Agricultura e o Itamaraty para pedir explicações sobre a disponibilização e comunicação dos dados da produção brasileira, mas não obteve retorno de nenhum dos órgãos até a publicação desta reportagem.

Desmatamento na Amazônia é foco de suspeita de divergência de dados

Entre os exemplos de possível divergência entre dados do Ibama e do Ministério da Agricultura - que podem gerar distorções e informações equivocadas sobre a produção brasileira no cenário internacional - estão dados sobre o desmatamento na Amazônia.

O Ibama e o Ministério da Agricultura frequentemente apresentam números conflitantes sobre o tema e com relação ao avanço dos dados agropecuários do Brasil. Enquanto o Ibama, por ser o órgão de fiscalização ambiental, apresenta números que indicam comumente perda de áreas de floresta devido à expansão de atividades ilegais, o Ministério da Agricultura reporta outras informações, destacando o crescimento da produção agrícola como indicador positivo, sem correlacionar com o avanço do desmatamento e impactos ambientais.

Um exemplo foi um indicador do Ibama, enviado à FAO, que apontava para uma aceleração do desmatamento na Amazônia, com um aumento de 22% em 2020 em relação ao ano anterior com base no Relatório de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia, publicado pelo instituto. Esse dado, bastante contestado à época pelo setor produtivo do agro, se baseava em imagens de satélite e em um acompanhamento do Ibama sobre áreas desmatadas ilegalmente.

Já o Ministério da Agricultura naquele mesmo ano relatou um crescimento da produção de soja e carne, sem considerar que houve impacto ambiental com desmatamento ou avanço de áreas produtivas sobre florestas. A informação consta no Relatório de Produção Agropecuária de 2020, mas não constaria no anuário da FAO.

Outra possível divergência entre dados mais recentes dos dois órgãos foi quanto ao posicionamento sobre a liberação de novos defensivos agrícolas. Em janeiro de 2025, o Ministério da Agricultura autorizou a liberação de 73 novos insumos para uso agrícola, incluindo 44 defensivos químicos e 29 bioinsumos. Para o Ibama, 28 desses produtos foram classificados como "muito perigosos ao meio ambiente" ou "altamente perigosos ao meio ambiente", condição não atestada pelo Ministério da Agricultura.

Além das questões citadas, outro ponto que pode gerar divergência diz respeito ao Sistema Integrado de Avaliação de Defensivos Agrícolas. Em abril do ano passado, o Ministério da Agricultura e o Ibama discutiram a criação de um sistema integrado para a avaliação de defensivos agrícolas para agilizar a aprovação de novos produtos.

O Ministério da Agricultura enfatizou a necessidade de acelerar o processo para disponibilizar produtos modernos e biológicos aos produtores. Por outro lado, o Ibama criticou uma suposta rapidez do processo e a necessidade de garantir mais rigor às avaliações ambientais. Esse sistema não tem impacto nos dados que já foram mandados à ONU, mas figura como ponto de preocupação para o agro.

As divergências entre os dados do Ibama e do Ministério da Agricultura em uma escala internacional podem ter um impacto direto nas negociações do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, segundo avaliam especialistas.

Isso pode ocorrer especialmente no que diz respeito às questões ambientais e à imagem distorcida do Brasil no cenário internacional, como o uso do discurso das supostas preocupações ambientais da União Europeia e sua postura cada vez mais rigorosa em relação à sustentabilidade e à preservação ambiental.

“Cobram da gente o que nunca fizeram e, no fundo, isso é apenas medo porque não conseguem ser competitivos. Já utilizaram todas as suas áreas produtivas e por questões climáticas conseguem fazer uma safra enquanto nós podemos fazer duas ou mais”, alerta Pedro Lupion sobre as imposições e regras internacionais aplicadas ao Brasil.

O contraponto a esse argumento é que os países europeus estão submetidos a uma legislação tão ou mais rigorosa que a do Brasil. Isso gera custos adiocinais de produção e o setor argumenta que a entrada de produtos brasileiros que não têm esses custos pode deseguilibrar o mercado europeu. Além disso, o agronegócio brasileiro recebe facilitação de crédito estatal anualmente por meio do Plano Safra, o que desequilibra o comércio internacional.

No contexto do acordo Mercosul-UE, uma das grandes preocupações manifestadas pela União Europeia tem sido o suposto avanço do desmatamento na Amazônia por causa da agropecuária e do uso de defensivos agrícolas, principalmente devido às suas implicações para a biodiversidade e emissões de carbono.

“Ninguém no mundo tem um controle tão rigoroso quanto nós temos sobre o uso de defensivos e preservação. Temos aumentado de forma expressiva o consumo de biológicos no Brasil, temos um manejo adequado com leis rigorosas e as informações sobre desmatamento não correspondem à verdade. Essas informações ao mercado internacional precisam ser ditas com eficiência”, afirma o agrônomo e gerente cooperativista Rogério Rizzardi.

“A discrepância entre os dados do Ibama e do Ministério da Agricultura podem gerar desconfiança internacional, especialmente na União Europeia em relação ao acordo comercial com Mercosul, cuja bandeira é acordos comerciais que não incentivem práticas prejudiciais ao meio ambiente. Mas sabemos que, no fundo, eles temem apenas a concorrência, porque podemos produzir mais, de forma mais competitiva, mais eficiente e sem avançar sobre áreas preservadas”, afirma o economista e analista de mercado agropecuário Rui São Pedro.

Para os especialistas, esses argumentos - corroborados com dados do Ibama à FAO - acabam sendo usados como desculpa pelas autoridades europeias para dizer que o Brasil não está cumprindo seus compromissos ambientais, como a redução do desmatamento e o controle do uso de defensivos.

“A União Europeia, amparada nessa desculpa e com dados equivocados, pode adotar sanções econômicas ou restrições ao comércio de produtos agropecuários, podendo afetar as exportações brasileiras, especialmente de produtos como carne, soja e etanol”, salienta o economista.

Para Rui São Pedro, a desculpa é que, se o Brasil não conseguir alinhar as políticas de proteção ambiental com as expectativas internacionais, especialmente no que tange à redução do desmatamento e à utilização de defensivos, poderá haver um impacto econômico negativo para o Brasil. “Por isso, é essencial que o setor produtivo, o Parlamento e autoridades europeias nos visitem, como propõe a FPA, e vejam nossos métodos produtivos”, destaca.

O economista avalia que, diante dessas pressões externas, o Brasil poderia caminhar no sentido de harmonizar os dados apresentados pelos diferentes órgãos - nesse caso Ibama e Ministério da Agricultura -, implementando uma política coerente, que combine o desenvolvimento do agronegócio com a preservação ambiental.

FPA e setor produtivo do agro querem trazer comunidade internacional para conhecer produção brasileira

Segundo Lupion, diante desses e outros supostos equívocos sobre as informações relacionadas à política produtiva no agro brasileiro, a equipe da FPA teve agendas na Europa com comissários de Meio Ambiente e da Agricultura, com parlamentares e os convidou para fazer visitas às diversas regiões produtoras do Brasil.

“Queremos mostrar a verdade, o que é a realidade da produção brasileira. Nós somos o único país do mundo que tem uma legislação ambiental tão restrita e tão pesada, que não está errada, tem que ser pesada mesmo, mas ninguém dos nossos concorrentes cumpre as exigências legais que nós cumprimos quanto à preservação ambiental”, ressalta o deputado.

Segundo Lupion, esse repasse equivocado de dados pode impedir que a comunidade internacional tenha conhecimento de que o Brasil adota, por exemplo, o mínimo de 20% de áreas preservadas em todas as propriedades rurais (reserva legal) e que nenhum outro país, se não o Brasil, adota de 40% até 80% de preservação de áreas quando se trata de bioma amazônico.

“As exigências que eles apontam para nós lá fora são as exigências que eles nunca cumpriram. Mais do que isso, a França, que fala tanto mal do nosso agro, acabou de abrir reservas ambientais e diminuir as áreas de preservação. Por isso, queremos que venham conhecer o nosso sistema produtivo”, afirma o presidente da FPA.

A informação de que os dados obtidos pela FAO são repassados pelo Ibama e não pelo Ministério da Agricultura preocupou também a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Já identificamos o problema e compreendemos a importância desses dados estarem certos em organismos internacionais, por isso estamos dispostos a ajudar para que as informações do agro brasileiro cheguem de forma correta nesses órgãos”, disse o diretor-técnico da CNA, Bruno Lucchi.

A Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) e o Instituto Pensar Agro (IPA) também sinalizaram preocupação. A superintendente da OCB e presidente do IPA, Tânia Zanella, afirmou que isso serve para analisar o quanto “a coisa está distorcida”.

“A gente sabe que dentro do Ministério do Meio Ambiente, do próprio Ibama, a visão é outra. A visão não é da produção, mas de preservação. Então, com certeza, esses dados não simbolizam o que acontece na prática dentro da produção brasileira. Todos nós estamos bem conscientes”, ressalta Zanella.

Falta iniciativa de governo para defender o agro fora do Brasil

Para o presidente da Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar), José Roberto Ricken, na prática, quem fez a lição de casa na questão ambiental, com dedicação dos produtores, é o Brasil.

“Vai ver se tem reserva legal, se tem mata ciliar, se tem todo o processo que nós temos aqui de recuperação de áreas degradadas. A Europa tem isso? Eu não vi [lá]. Então, precisa prevalecer a verdade, nós não temos que temer nada”, destaca.

“Não basta fazer [a tarefa de casa], nós temos que saber demonstrar. Temos a COP 30 no Brasil, mas não acredito que vai resolver muita coisa, porque vai se politizar muito com muitas organizações não governamentais ganhando muito dinheiro em cima disso [discurso de desmatamento e não preservação]. Então, o que nós temos que fazer? A nossa tarefa de casa e comunicar a verdade”, diz Ricken.

Agro brasileiro quer participar de debates na COP 30

Para a presidente do IPA, esses dados equivocados podem, inclusive, ressoar sobre a COP 30, que será realizada no Brasil - em Belém (PA) - em novembro. Segundo ela, tratativas entre o setor produtivo e o Ministério da Agricultura foram iniciadas para buscar uma apresentação com dados corretos e coerentes, em sintonia com a FPA, para a participação efetiva do segmento no evento com foco na defesa do setor produtivo do agro à COP 30.

“A gente tem uma expectativa que o setor vai ser o grande vilão da história. As pessoas virão aqui para jogar pedrinha no nosso telhado. Mas o setor precisa estar organizado sob o ponto de vista de conteúdo correto para ocupar esses espaços e fazer o contraponto”, alerta.

De acordo com Tânia Zanella, esse é o grande ponto e uma das principais possibilidades de o Brasil reverter discursos vazios sobre a produção. “Precisamos estar organizados, precisamos nos planejar e a gente vai fazer isso, está fazendo isso. Uma fala do ministro [Carlos Fávaro] foi muito contundente em dizer que nós não vamos permitir que venham aqui falar mal do nosso setor", comenta. Ela fez referência a um encontro recente entre o segmento e o ministro da Agricultura para tratar do evento.

Pedro Lupion também reforça que o segmento produtivo precisa se organizar de forma coesa para a COP 30 e com isso “desmascarar mentiras” sobre o agro brasileiro. Segundo ele, o “agro não pode ser o grande cardápio da COP 30”. “Não vamos permitir isso, vamos com informações corretas, confiáveis e verdadeiras que produzimos com qualidade e preservação”, destaca o deputado.

Para Dilvo Grolli, diretor-presidente da Coopavel - cooperativa do agro com sede em Cascavel (PR) e que está entre as 100 maiores do mundo com um faturamento que em 2024 se aproximou dos R$ 6 bilhões -, o governo federal falha em não comunicar informações reais sobre o segmento ao mercado internacional, que assume uma visão distorcida. A cooperativa comandada por Grolli exporta para aproximadamente 40 países e é afetada por restrições e embargos de mercado, muitos supostamente não fundamentados.

“Falta conhecimento [das entidades internacionais e mesmo dos esforços governamentais] sobre como produzimos. Apenas 9% do território nacional é ocupado pelas lavouras e temos mais de 60% de nossas áreas, nosso território preservado. O mundo não sabe disso”, afirma.

FAO coleta e analisa dados de produção agrícola no mundo

A agência da ONU chamada de FAO monitora a produção global de alimentos, com foco no combate à fome e promoção do desenvolvimento agrícola sustentável. A FAO coleta, analisa e divulga dados sobre a produção, consumo e distribuição de alimentos no mundo, auxiliando na formulação de políticas para garantir a segurança alimentar global. Seu banco de dados é aberto e pode ser acessado por esse link.

A reportagem apurou que o Ibama fornece à FAO dados relacionados ao impacto ambiental da produção agropecuária no Brasil e que entre as principais informações repassadas estão:

     • Desmatamento e uso do solo: Dados sobre mudanças no uso da terra, conversão de florestas em áreas agrícolas e pecuárias, incluindo monitoramento da Amazônia e outros biomas.
     • Queimadas e incêndios florestais: Registros de focos de incêndio e impactos das queimadas na vegetação e na produção rural.
Uso de defensivos: Informações sobre comercialização, aplicação e controle de defensivos agrícolas, incluindo riscos ambientais.
     • Gestão de recursos hídricos: Monitoramento do uso da água na agricultura e pecuária, incluindo impactos sobre rios e aquíferos.
     • Pesca e aquicultura: Dados sobre a produção pesqueira, espécies capturadas e regulamentos ambientais.
     • Licenciamento ambiental e fiscalização: Relatórios sobre a regularização ambiental de propriedades rurais, incluindo o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e embargos por infrações ambientais.

São essas informações que dão origem, na FAO, aos relatórios sobre sustentabilidade na produção agrícola e segurança alimentar global.

 

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