O Supremo Tribunal Federal (STF) vem analisando um tema de grande relevância para o direito de família e sucessões. Em julgamento com repercussão geral, a corte irá abordar a possibilidade de aplicação de efeitos retroativos do casamento sobre uniões estáveis. Isso significa que será discutida a extensão dos efeitos da formalização do casamento para períodos anteriores à sua constituição, nos casos em que os cônjuges mantinham união estável anterior.
No caso específico sob análise, trata-se de um casal que, vivendo em união estável desde 1995, requereu, em 2006, a conversão da união informal para o casamento, com efeitos retroativos desde o início do relacionamento informal. Tanto a justiça de primeira, quanto de segunda instância, negaram o pedido, entendendo que o casamento e os efeitos do regime de bens passariam a vigorar somente a partir da sentença constitutiva.
Se uma união estável for convertida retroativamente em casamento com regime de separação total, os bens adquiridos durante a união estável, vigente sob o regime da separação parcial, poderiam deixar de ser considerados comuns
Agora, o STF revisita a questão nos autos do ARE 1405467, o que pode trazer mudanças significativas nas regras patrimoniais de casais que formalizaram seu relacionamento após anos de convivência sob união estável informal. A importância do tema se revela, pois, se a retroatividade for permitida, os efeitos do casamento poderiam retroagir ao início da união estável, o que, na prática, abriria a possibilidade de alteração do regime de bens adotado desde o início do relacionamento.
Atualmente, as uniões estáveis não formalmente reconhecidas estão submetidas ao regime de comunhão parcial de bens, que considera comuns os bens adquiridos durante a convivência. Quando a união estável é formalizada, as partes podem optar por outro regime, como ocorre no casamento. No entanto, muitos casais que vivem em união estável não regulamentada buscam, posteriormente, formalizar essa união com efeitos retroativos, enfrentando obstáculos, especialmente ao optar pelo regime de separação total de bens.
A possibilidade de retroatividade levanta preocupações quanto à segurança patrimonial. Se, por exemplo, uma união estável for convertida retroativamente em casamento com regime de separação total, os bens adquiridos durante a união estável, vigente sob o regime da separação parcial, poderiam deixar de ser considerados comuns, afetando os direitos já adquiridos de um dos cônjuges.
Assim, o atual entendimento jurídico prioriza a segurança patrimonial e a preservação dos direitos adquiridos, evitando mudanças retroativas que possam prejudicar uma das partes. No entanto, há críticas sobre este entendimento, no sentido de que ele não reconhece o interesse e a autonomia privada de casais plenamente capazes, que escolhem gerir seus bens de forma independente, especialmente aqueles que já adotavam a gestão individual de seus patrimônios, durante toda a união estável.
Enquanto o Supremo Tribunal Federal não emite uma decisão final sobre a retroatividade da conversão de união estável em casamento, a expectativa é de que o julgamento esclareça os limites dessa retroatividade, bem como considere o interesse e a autonomia das partes, não só a proteção estatal sob o patrimônio. Com isso, o entendimento a ser firmado poderá ter ampla repercussão nas ações em andamento, com potencial para influenciar, inclusive, o planejamento familiar e patrimonial de muitos casais.
Daniela Justino Dantas Martelli é advogada especialista em família e sucessões, contratos e processo civil do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados; Lucas Gabriel Cabral de Castro, pós-graduando em Planejamento Patrimonial e Sucessório, é advogado no mesmo escritório.