O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) segue acumulando atritos com o setor do agronegócio. A bancada do agro no Congresso prevê que as invasões de terras promovidas historicamente pelo grupo em abril, no chamado Abril Vermelho, devem ser impulsionadas pelos recentes afagos do governo ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Lula visitou no último dia 7 um acampamento do MST em Minas Gerais, onde anunciou a desapropriação de mais de 13 mil hectares de terras pelo país e reforçou em discurso seu apoio ao movimento. "Todo mundo sabe que tenho um lado. Nunca esqueço quem são os amigos de verdade. Sei quem é amigo apenas porque sou presidente", afirmou.
A insatisfação da bancada do agronegócio e da oposição com esse cenário se soma à crise na popularidade de Lula, puxada pela alta no preço dos alimentos e ao anúncio de medidas consideradas ineficazes pelo setor.
“Em vez de sentar com entidades que representam produtores, sentam com os invasores das propriedades desses produtores. Então, é algo que mais uma vez é ponto de decepção, de apreensão, de preocupação”, disse o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR).
Além disso, a guinada do governo mais para a esquerda, com a posse de Gleisi Hoffmann (PT) como ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) e a possibilidade de o deputado Guilherme Boulos (Psol-SP) assumir um ministério, reforçam a preocupação do agro. A avaliação é do vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) na Câmara dos Deputados, deputado Evair de Melo (PP-ES). “O governo é completamente radicalizado do ponto de vista político. Isso é um desestímulo para o setor produtivo”, destacou Mello.
FPA prevê Abril Vermelho do MST com recorde de invasões
Com a aproximação de abril e o aumento no número de invasões nos últimos anos, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) já sinaliza a expectativa de que um número recorde de invasões seja registrado. “A gente sabe que é muita narrativa para pouca conversa, que nunca foi por reforma agrária, sempre foi por poder político. A gente continua com essa evolução, inclusive sob ameaça de um abril vermelho recorde”, disse o presidente da bancada do agro, Pedro Lupion.
Em 2024, o MST contabilizou 35 invasões de terra em 15 estados diferentes do Brasil somente no mês de abril. O número é o dobro do registrado no mesmo período de 2023, que teve 17 invasões. Nos quatro anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foram contabilizadas 62 invasões de terras no Brasil. Já no governo Lula, 61 casos foram registrados somente entre janeiro e julho do ano de 2023, de acordo com levantamento elaborado pela Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Em meio a um cenário de crise na popularidade de Lula, puxada pela alta no preço dos alimentos, medidas consideradas ineficazes pelo setor se somam a anúncios de recursos e investimentos em assentamentos da reforma agrária que beneficiam, em sua maioria, integrantes do MST.
O governo chegou a anunciar a isenção do imposto de importação sobre nove produtos. Para a FPA, no entanto, a medida beneficia concorrentes internacionais ao invés de reduzir a tributação dos insumos para produtores brasileiros. “Nós apresentamos uma série de sugestões relacionadas à tributação para redução de preços e de custo de produção. Essas medidas foram, em boa parte, ignoradas nas reuniões que foram feitas”, destacou Lupion.
Anúncios feitos em visita ao MST deixam Lula ainda mais distante do agro
Os anúncios feitos por Lula ao MST no acampamento em Minas Gerais envolvem a destinação de terras para assentar integrantes do movimento e crédito para a instalação dos assentamentos. No evento, Lula assinou decretos de desapropriação de sete áreas que somam 13.305 hectares, tratando-se assim da maior desapropriação desde 2017, de acordo com o governo. Para o chamado crédito instalação, o governo Lula anunciou R$ 1,6 bilhão para 2025, que podem ser aplicados em habitação, apoio inicial e fomento aos jovens e mulheres na reforma agrária.
Além disso, o presidente afirmou no evento que um investimento de R$ 900 milhões para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) deve dar ênfase à compra da produção de famílias assentadas da reforma agrária.
Para a líder da minoria na Câmara, deputada Caroline De Toni (PL-SC), ao subir no palanque com o MST, Lula fortalece “movimentos que espalham o terror no campo”. “Enquanto afaga invasores, afoga os produtores rurais. Agora, anuncia a destinação de terras e bilhões de reais para uma pseudo reforma agrária, que mantém famílias reféns de movimentos políticos, em vez de promover a verdadeira regularização fundiária, como fez Bolsonaro, ao entregar mais de 400 mil títulos de terra”, disse a deputada.
A Gazeta do Povo buscou contato com o governo federal por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para esclarecer informações sobre os lotes entregues aos integrantes do MST, bem como a fonte dos recursos anunciados. A reportagem não obteve resposta até o fechamento da matéria.
Ao visitar assentamento do MST, Lula deixou de ir a feira do agro no RS
A visita do presidente Lula ao assentamento do MST marcou ainda sua ausência na abertura de uma das mais importantes feiras do agronegócio: a Expodireto Cotrijal, em Não-Me-Toque/RS. Ele também não mandou representante, diferente de 2023 e 2024, quando o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro marcou presença.
A ausência de representantes do governo foi criticada pela oposição especialmente pelo fato de o estado do Rio Grande do Sul ter passado pelas enchentes de maio de 2024 que devastaram cidades e afetaram em cheio a produção rural do estado. "Lula não está nem aí pro agro ou pro Rio Grande. Alto custo na lavoura, inflação nos alimentos, plano safra em risco e ajuda ao MST: só bomba contra o povo...", escreveu o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS).
Essa já é a segunda grande feira do agro brasileiro que não conta com a participação de representantes do governo federal nos atos de abertura. Em fevereiro, o Show Rural realizado em Cascavel/PR, também não contou com o prestígio de Lula ou de seus ministros. A feira ignorada pelo governo Lula fechou R$ 7 bilhões em negócios.
Bancada do agro vê com preocupação a radicalização do governo Lula
Mesmo antes de assumir o terceiro mandato, Lula deu indicativos de como o seu governo lidaria com os setores do agronegócio. Durante a campanha para as eleições de 2022, Lula chegou a chamar o agronegócio de “direitista e fascista”. Já durante o mandato, Lula tem acumulado atritos com o setor e sua ligação com o MST é vista como uma afronta ao direito de propriedade.
O líder da oposição na Câmara, deputado Luciano Zucco (PL-RS), que foi presidente da CPI do MST, disse que o governo Lula tem demonstrado, de maneira cada vez mais clara, sua hostilidade ao agronegócio. “O Brasil precisa de estabilidade e respeito a quem trabalha e gera riquezas, e não de um governo que age para sabotar um dos pilares da nossa economia. A queda da popularidade não está fazendo bem para a cabeça do presidente da República, que está flertando com o caos diante de tantas sinalizações preocupantes”.
O cenário de atritos é reforçado pela possibilidade de o deputado Guilherme Boulos (Psol-SP) assumir um ministério no governo Lula. De acordo com informações da Folha de São Paulo, Lula estaria considerando a ideia de colocá-lo na Secretaria-Geral da Presidência, no lugar de Márcio Macêdo (PT). A Secretaria é responsável por fazer a interlocução da Presidência com os movimentos sociais. A sinalização relacionada a Boulos ocorre logo após Lula substituir a ex-ministra da Saúde, Nísia Trindade, por Alexandre Padilha. Com a troca, o cargo de Padilha como ministro-chefe da Secretaria das Relações Institucionais foi ocupado por Gleisi Hoffmann.
Boulos é conhecido por sua ligação com os movimentos sociais envolvidos com invasão de propriedades privadas, e em especial, por sua atuação como líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Para o deputado Ricardo Salles (Novo-SP), que foi relator da CPI do MST, a sinalização do presidente reforça seu posicionamento ideológico. “Lula segue uma agenda com 40 anos de defasagem ideológica: luta de classes, controle de preços, preconceito contra produtor rural e enfraquecimento da propriedade privada”, disse Salles.