Na contramão do Plano Safra, que foi suspenso por Lula em fevereiro por atrasos no orçamento, os governos do Paraná e de Goiás anunciam fundos de financiamento público para tornar o agro mais competitivo nos estados que estão entre as maiores potências nacionais do setor agropecuário.
Enquanto o governador paranaense Ratinho Junior (PSD) lançou o Fundo de Investimento em Direitos Creditórios nas Cadeias Produtivas do Agro (FIDC Agro Paraná), que prevê aproximadamente R$ 2 bilhões para expansão agrícola, o governo de Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, aposta no Fundo de Infraestrutura do Estado (Fundeinfra) como braço de apoio ao agronegócio com investimentos em obras e melhorias logísticas para o escoamento da produção.
Durante o anúncio na última quinta-feira (3), na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, o governador do Paraná afirmou que o novo fundo de investimento foi criado para atender dois dos principais potenciais econômicos do Paraná: a força da agroindústria e o modelo produtivo cooperativista.
De acordo com o governo estadual, o FIDC funcionará como uma espécie de “guarda-chuva”, sob o qual as cooperativas poderão participar, por meio da criação de outros fundos vinculados, com oferecimento de condições facilitadas de financiamento aos cooperados para a compra de máquinas, equipamentos, sistemas de irrigação e logística.
“Com a ampliação da oferta de crédito, queremos estimular os investimentos em áreas que são a vocação do Paraná, tanto é que já temos quatro cooperativas que estão preparando os seus fundos, além da sinalização de outros segmentos do setor que já demonstraram interesse em aderir”, anunciou Ratinho Junior.
O fundo paranaense também é considerado uma alternativa ao Plano Safra, que na gestão presidencial petista foi suspenso e passa por adequações para o período 2025-2026. Segundo o governo paranaense, o Plano Safra tem se mostrado insuficiente para atender a demanda nacional e no próprio estado, que aportou R$ 150 milhões, por meio da Fomento Paraná, para dar início ao fundo.
Diferentemente do programa federal, cuja maior parte dos recursos são usados para custeio e comercialização da produção, o FIDC será focado na oferta de crédito para melhorias e ampliação das atividades agrícolas. “Quem definirá os investimentos que serão feitos será o setor produtivo. O que o estado definiu foram algumas regras para incentivar a cadeia econômica, como a preferência pela aquisição de produtos feitos no Paraná”, explicou.
A Fomento Paraná atuará na definição das políticas de aplicação de recursos do fundo e terá participação limitada a 20% dos recursos totais aplicados. O montante de investimento restante será proveniente da iniciativa privada e de outros investidores, incluindo as próprias cooperativas.
O governo estadual informou que a gestão do FIDC será feita pela Suno Asset, escolhida por meio de chamada pública da Fomento Paraná. Pertencente ao Grupo Suno, a gestora possui mais de R$ 1,5 bilhão sob sua gestão, sendo mais de R$ 500 milhões investidos no agronegócio. O foco da gestora é atrair mais investidores privados ao novo fundo.
“O Paraná é o primeiro estado a ter um instrumento de crédito deste tipo, em um arranjo que também envolve as cooperativas e empresas integradoras paranaenses e uma empresa gestora, que buscarão no mercado outros investidores para alavancar o negócio”, ressalta o presidente da Fomento Paraná, Claudio Stabile.
No final de fevereiro, o governo federal abriu crédito extraordinário para liberação de mais R$ 4 bilhões para o Plano Safra 2024-2025, lançado em junho do ano passado com R$ 400 bilhões para o financiamento dos produtores rurais com juros abaixo do mercado. Ao todo, o Plano Safra disponibiliza R$ 475,5 bilhões para o atual ciclo.
Em março, o governo do Paraná enviou uma proposta ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para que o plano 2025-2026 tenha um orçamento de quase R$ 600 bilhões para cobrir as necessidades de crédito, investimentos e garantia aos produtores.
Na avaliação do economista e professor universitário Rui São Pedro, o agricultor depende dos recursos do governo federal, que protela a liberação dos financiamentos e afeta a colheita. “Assim, o agricultor também passa a produzir posteriormente, sendo que o estado teria a capacidade de produzir bem mais com a liberação dos créditos de forma antecipada”, comenta.
Na avaliação de São Pedro, o milho safrinha é uma das principais culturas impactadas pelo atraso de recursos do Plano Safra, pela necessidade de colheita no final do ciclo entre maio e julho. “Infelizmente, quem tem o plantio programado do safrinha e também o plantio de trigo no inverno, fica à mercê da liberação do governo”, completa.
Com o plano federal deficitário, o economista afirma que os estados do Paraná e Goiás, conhecidos pela alta produção de grãos no país, criaram planos alternativos para complementação dos recursos. “O problema do governo federal é a dívida pública, que onera o setor de infraestrutura ou de planejamento. Quando se paga mais juros, se tem menos recursos para fazer investimentos, seja o custeio de plantio, seja investimentos nas áreas de tecnologia e de infraestrutura”, alerta Rui São Pedro.
Com recursos provenientes da produção agrícola, pecuária e mineral, o Fundeinfra tem o objetivo de financiar as obras de infraestrutura no estado de Goiás, entre elas, a recuperação e manutenção de modais de transporte, construção de rodovias e pontes, pavimentação e sinalização. Os investimentos são considerados fundamentais para atendimento do agronegócio goiano, que se torna mais competitivo com menos custos de transporte e melhores condições logísticas.
No final de março, a Secretaria Estadual de Infraestrutura (Seinfra) e a Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) apresentaram o cronograma das obras, que vão auxiliar o transporte de carnes, grãos e outros itens produzidos no estado.
“São 51 obras aprovadas, duas já executadas e 10 ainda em execução. As rodovias ligam as regiões de lavouras aos eixos estruturantes do estado, diminuindo custos de transporte para os armazéns e para os portos. Isso tudo com recursos que vêm do agronegócio e cujos benefícios são 100% voltados para o agro”, explica o gerente de avaliação de projetos do Seinfra, Leonardo Meneses.
Entre as obras financiadas estão a pavimentação de 86 km da rodovia estadual GO-178, no trecho de Itarumã até o trevo com a BR-364, orçada em R$ 173,7 milhões. Outro projeto prevê o investimento de R$ 141,8 milhões para pavimentação de 71 km na rodovia estadual GO-411, entre Paraúna e o entroncamento da GO-174. Além disso, a construção de uma ponte de 280 metros na GO-338, sobre o rio das Almas, entre São Luiz do Norte e Lavrinha, será executada com o investimento de quase R$ 20 milhões.
O Fundeinfra foi criado em dezembro de 2022 e os recursos são geridos pelo governo de Goiás e pelo próprio setor produtivo, representado pela Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás, Associação dos Produtores de Milho e Soja (Aprosoja), Organização das Cooperativas Brasileiras no Estado de Goiás (OCB Goiás) e da Associação Pró-Desenvolvimento (Adial).
O setor produtivo participa do conselho gestor do Fundeinfra como voz ativa na seleção das obras e gestão dos recursos do fundo. O presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras no Estado de Goiás, Luís Alberto Pereira, calcula que a arrecadação de R$ 4 bilhões do Fundeinfra têm potencial para impactar positivamente o PIB goiano entre R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões.
“O principal corredor logístico do agronegócio goiano ainda é o rodoviário, incluindo estradas estaduais e federais, o que resulta em custos elevados de frete e perdas significativas no transporte das mercadorias. Há outros modais logísticos, como a hidrovia [Paranaíba-Tietê-Paraná] e grandes ferrovias [Norte-Sul e Centro-Atlântica], que também auxiliam no escoamento da produção agrícola, principalmente em direção aos portos marítimos. No entanto, esses modais ainda necessitam de mais investimentos para operar em plena capacidade”, analisa.
De acordo com Pereira, está previsto um investimento de quase R$ 2 bilhões até 2026 em 44 trechos estratégicos na malha rodoviária goiana. “Os polos produtivos serão interligados com maior eficiência e menor custo operacional aos corredores modais, facilitando o escoamento da produção para os principais mercados consumidores do país e para os portos que servem ao mercado exterior”, completa.