Com extensa carreira na iniciativa privada e na área de tecnologia, Eduardo Tagliaferro ficou conhecido no último ano por seu envolvimento em um episódio controverso envolvendo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF). Tagliaferro foi um dos personagens envolvidos no suposto uso da estrutura da Corte Eleitoral pelo ministro Alexandre de Moraes, na época em que era presidente do TSE, para embasar relatórios dos quais era relator no STF.
Eduardo Tagliaferro é perito digital, atuou diretamente em um núcleo de inteligência da Corte e chefiou a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), órgão dentro do TSE. Criada em 2022, ainda durante a gestão do ministro Edson Fachin, a AEED tinha a missão de combater fake news relacionadas ao processo eleitoral, em especial os ataques ao sistema eletrônico de votação brasileiro.
Submetida à presidência do TSE, a assessoria monitorava redes sociais, identificava postagens tidas como irregulares e enviava os casos para serem avaliados pela presidência Corte, que poderia determinar ou não pela sua remoção. Após o fim da gestão de Fachin, Alexandre de Moraes assumiu a presidência do TSE e esteve à frente do órgão entre agosto de 2022 e junho de 2024.
Em agosto de 2022, Moraes nomeou Tagliaferro para o comando da AEED, no cargo de assessor-chefe. Ficou então a cargo do perito digital o monitoramento da redes sociais e a checagem de publicações que pudessem ser consideradas "irregulares". Esse processo ganhou notoriedade durante o pleito presidencial de 2022, quando houve uma maior atuação do TSE na remoção de conteúdos e suspensão de perfis das plataformas digitais.
De acordo com informações reveladas pelo jornal Folha de S. Paulo no ano passado, enquanto presidia a Corte Eleitoral, Alexandre de Moraes teria solicitado informalmente, por meio de outros assessores, a produção de relatórios à assessoria chefiada por Tagliaferro no TSE. Esses dados teriam sido depois usados em inquéritos sob sua relatoria no STF. O perito teria sido o responsável por atender a alguns desses pedidos, atuando como um elo entre as duas instituições.
O veículo teve acesso a mensagens de um grupo de WhatsApp que mostrava a dinâmica entre Tagliaferro, Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete de Moraes no STF, e Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar de Moraes durante sua presidência no TSE. Nas mensagens, esse auxiliares davam ordens e direcionamentos informais para a produção de tais relatórios.
De acordo com informações do próprio Eduardo Tagliaferro, esses relatórios teriam mirado, em grande parte, comentaristas de direita e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). As decisões do STF culminaram na remoção de conteúdos e exclusão de perfis das redes sociais.
Formado em Engenharia Civil e Direito pela Universidade Paulista (Unip), Tagliaferro também é mestre em Inteligência Artificial pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e prestou serviços à Justiça Eleitoral. O perito trabalhou por mais de 12 anos como especialista em perícia digital no setor privado e chegou a ser CEO de uma empresa.
Sua atuação com órgãos governamentais teve início em 2017, quando começou a prestar serviços de perícia computacional, grafotécnica e documentoscopia para o Poder Judiciário. Tagliaferro já trabalhou na área de tecnologia do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) e Tribunais de Justiça dos estados de Goiás, Santa Catarina, Minas Gerais, Paraná e São Paulo.
Tagliaferro chegou ao TSE em 16 de agosto de 2022, quando foi nomeado o assessor-chefe da AEED. O órgão era denominado ainda como o núcleo de inteligência da Corte e era composto por membros da Justiça Eleitoral e representantes do Conselho Nacional dos Comandantes Gerais (CNCG), órgãos de segurança subordinados a governos estaduais e do Distrito Federal.
O perito permaneceu no cargo até maio de 2023, quando foi exonerado após ser preso em flagrante por violência doméstica no interior de São Paulo após um disparo por arma de fogo que não deixou feridos durante uma suposta discussão entre ele, a ex-mulher e um conhecido.
No início deste mês, a Polícia Federal (PF) indiciou Tagliaferro pelo suposto vazamento das conversas que o perito manteve com o ministro Alexandre de Moraes e seus auxiliares no TSE e no STF. O vazamento das conversas ganhou repercussão nacional e levantou questionamentos sobre a legalidade e a transparência da atuação institucional no combate à desinformação.
O perito estava em um grupo de WhatsApp que incluía juízes auxiliares de Moraes. O canal era utilizado para pedidos extraoficiais do magistrado contra supostos disseminadores de informações falsas. Os diálogos foram vazados à Folha de S. Paulo e divulgados em uma série de reportagens publicadas pelo veículo.
Após o vazamento, o próprio Alexandre de Moraes pediu uma investigação para apurar o vazamento do conteúdo das conversas. Logo após a veiculação na mídia, o STF ordenou a apreensão do celular de Tagliaferro pela Polícia Federal, para investigar se ele foi a origem do vazamento. O perito digital também prestou depoimento à PF.
A investigação sobre a divulgação da conversa foi incluída ao Inquérito das Fake News, que investiga ataques, ofensas e ameaças aos ministros do STF. Moraes justificou que “as informações divulgadas vão além da violação de sigilo funcional, eis que têm o condão de desacreditar a mais alta corte do Poder Judiciário, a imparcialidade dos membros e obstar o prosseguimento de investigações que envolvem as organizações criminosas mencionadas”.
Tagliaferro e sua defesa negam que ele tenha sido o responsável pela divulgação dessas mensagens. No depoimento à PF, o ex-assessor foi questionado se teria procurado algum jornalista para divulgar o material que estava em seu celular e negou que tivesse feito isso.
Por outro lado, após seu indiciamento, a Polícia Federal afirmou que o vazamento por parte dele teria sido comprovado a partir de depoimentos e quebra de sigilo de comunicação do ex-assessor.