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Do palanque à Praça Vermelha: como Lula contraria o discurso democrático

Por Dalila Lisboa

Redação
Por: Redação Fonte: Gazeta do Povo
13/05/2025 às 09h45
Do palanque à Praça Vermelha: como Lula contraria o discurso democrático
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião com o ditador da Rússia, Vladimir Putin, no Grande Palácio do Kremlin, em Moscou, no dia 09 de maio de 2025. (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

A diplomacia do Brasil é regida por princípios como autodeterminação dos povos, defesa da paz e solução pacífica de controvérsias, estabelecidos na Constituição de 1988. Entretanto, nesta semana, o presidente Lula protagonizou um evento histórico na diplomacia do país ao ser o primeiro chefe de Estado brasileiro a visitar um país em guerra: a Rússia. A comitiva que participa dos eventos em Moscou conta com a presença de aliados do Kremlin. Com destaque para China, Venezuela, Cuba e Irã. Do lado europeu, apenas Sérvia e Eslováquia estarão presentes nas festividades – Estados que embora sejam oficialmente repúblicas parlamentares, têm sido alvo de críticas nos últimos anos por retrocessos democráticos.

O destaque do encontro entre Lula e o presidente da Rússia, além de uma reunião bilateral Brasil-Rússia, foram os desfiles militares do Kremlin de sexta-feira: uma celebração dos 80 anos da vitória soviética sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. As festividades que celebravam valores como a paz e o respeito à soberania perderam seu verdadeiro sentido há mais de uma década, quando a Crimeia foi anexada pela Rússia.

O Brasil pode e deve dialogar com todos, conforme tem feito historicamente em sua política externa. Mas é inaceitável que se aproxime de regimes autoritários, totalitários e “democracias híbridas” por motivos ideológicos, ignorando as violações aos princípios fundamentais do Direito Internacional

Embora os argumentos utilizados pelo Itamaraty para justificar a viagem de Lula estejam centrados no fortalecimento comercial bilateral com a Rússia no âmbito do BRICS, o significado vai muito além de interesses econômicos, podendo prejudicar a imagem do Brasil na comunidade internacional. As Relações Internacionais envolvem pragmatismo, mas até onde se pode ignorar princípios que sustentam a credibilidade de um país?

Desde a campanha eleitoral, Lula se vendeu como defensor da democracia e até mesmo como a única opção para que a democracia sobrevivesse no país. E continuou a abraçar esse papel quando assumiu o terceiro mandato como presidente do Brasil em 1º de janeiro de 2023, sobretudo após os eventos de 08/01 daquele ano. Mas as contradições já apareceram poucos meses após assumir o cargo. Em maio de 2023, Lula recebeu Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, com honras em Brasília.

Maduro está na presidência desde 2013, “vencendo” eleições contestadas dentro e fora do país. O venezuelano tem sido duramente criticado nos últimos anos pela comunidade internacional e organizações como a Human Rights Watch, que reconhecem seu regime como uma ditadura e denunciam abusos contra os direitos humanos. As denúncias são validadas tanto pelos princípios do Direito Internacional, quanto pelo histórico de violações aos direitos humanos e fraudes eleitorais cometidas pelo governo venezuelano. Entretanto, na ocasião da visita, Lula alegou que o país era apenas uma “vítima de narrativas de antidemocracia e de autoritarismo".

Desta vez, porém, Lula não atua como anfitrião, mas visita um país sob constante escrutínio da comunidade internacional, a Rússia. A invasão à Ucrânia não parou com a anexação da Crimeia em 2014. Aquele foi um indício da invasão em larga escala que estava por vir em 2022, quando a Rússia voltou a violar os princípios do Direito Internacional ao invadir o país, um Estado soberano – dando início a uma guerra que perdura até hoje. O resultado dessa guerra? Além de milhares de mortos e feridos, hoje a Rússia controla cerca de 20% do território ucraniano.

A visita de líderes internacionais a Moscou é vista pelo Kremlin como uma demonstração de que o país não tem apenas aliados políticos, mas nações parceiras com quem possuem um alinhamento ideológico. Além de a visita em si representar um elemento negativo para a imagem do Brasil, ao se juntar a um grupo composto por alguns dos regimes mais controversos da atualidade, Lula contraria a diplomacia historicamente desenvolvida pelo país. Em março de 2022, pouco após o início da guerra, o Brasil votou a favor de uma resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que condenou a invasão da Ucrânia e exigiu que a Rússia fizesse a retirada imediata de suas forças do território ucraniano.

O país também apoiou resoluções posteriores que reafirmaram a soberania e integridade territorial da Ucrânia. Ademais, como signatário do Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional – órgão que em 2023 emitiu um mandado de prisão para Vladimir Putin por crimes de guerra –, a visita de Lula a Moscou demonstra uma ambiguidade na política externa brasileira. Como um dos signatários, em caso de uma eventual visita, o Brasil teria a obrigação de prender Putin, mas Lula já fez declarações afirmando que o presidente russo é bem-vindo ao país e que não há elementos que justifiquem sua prisão.

Nesse xadrez geopolítico, existe também a reação da Ucrânia às ações do presidente brasileiro. O país já sinalizou uma insatisfação com as movimentações de Lula. E o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, se negou a conversar com o presidente às vésperas de sua viagem à Rússia. Representantes de Kiev afirmaram que a decisão de Lula desconsidera o lado ucraniano, revelando apoio explícito a Putin ao participar de um desfile militar em Moscou; ainda que tente encobrir essa posição sob a justificativa de uma suposta ‘mediação de paz’.

Ao escancarar as contradições entre discurso e prática democrática do Brasil, Lula demonstra uma defesa seletiva da democracia, o que é preocupante. Contrariando, inclusive, sua própria imagem como defensor do Estado democrático. Mas muito além da sua própria imagem, Lula coloca em xeque qual tipo de liderança internacional o Brasil quer ser, expondo o país a riscos diplomáticos e estratégicos.

O Brasil pode e deve dialogar com todos, conforme tem feito historicamente em sua política externa. Mas é inaceitável que se aproxime de regimes autoritários, totalitários e “democracias híbridas” por motivos ideológicos, ignorando as violações aos princípios fundamentais do Direito Internacional, como o respeito à soberania dos Estados e aos direitos humanos.

Dalila Lisboa, internacionalista, é leadership retreat & chapter program coordinator do Ladies of Liberty Alliance (LOLA); Geisiele Carvalho, internacionalista, é chapter leader do LOLA.

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