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A necessária busca por caminhos contra a dependência química

Por Jacir Venturi

Redação
Por: Redação Fonte: Gazeta do Povo
11/06/2025 às 09h16
A necessária busca por caminhos contra a dependência química
Processo seletivo do governo Lula para o Conad pode privilegiar organizações favoráveis à liberação das drogas, dizem entidades (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

Johann Wolfgang von Goethe, amplamente considerado o maior literato da língua germânica, já em seu leito de morte, em 1832, pronunciou suas derradeiras palavras: "Licht, mehr Licht!" – "Luz, mais luz!". Uma frase instigante, não apenas sob o prisma histórico, mas também como metáfora. Nenhum problema se resolve sem foco, sem clareza sobre o que se busca enfrentar, sem que projetemos luz sobre ele. E um dos problemas que merecem foco atualmente é a dependência química.

A dependência química é uma condição caracterizada pelo consumo compulsivo, excessivo e contínuo de substâncias psicoativas ilícitas, bebidas alcoólicas, tabaco e medicamentos capazes de modificar comportamentos e reações no usuário, trazendo consequências negativas para a saúde física, mental, social e financeira. Reconhecida como doença e classificada no Brasil com o CID F19, é um limbo sombrio, oculto e silencioso, com efeitos devastadores em diferentes gradações. O comércio ilegal e o tráfico devem ser enfrentados como uma questão policial, mas a pessoa com dependência deve ser tratada e compreendida dentro de um espectro social e de saúde pública, com intensa participação da comunidade científica e civil, da mídia, das escolas e das famílias.

Ainda que seja um tabu a ser enfrentado, as estratégias e ações em relação à pessoa com dependência química devem ser conduzidas sem os preconceitos que muitas vezes causam vergonha, medo e barreiras na busca por tratamento. Como analogia, vale lembrar que, na década de 1970, o termo "câncer" era maldito e impronunciável; hoje, o tema circula abertamente, facilitando a conscientização, a prevenção e o diagnóstico precoce.

Semelhantemente, nos anos 1980, a Aids era uma sentença de morte e um estigma social que pairava sobre as pessoas acometidas, então segregadas como os leprosos do Evangelho (hoje, hansenianos), envoltas em preconceito e ignorância. No entanto, com o empenho dos governos e da sociedade civil organizada, aliado à evolução da ciência, o HIV saiu do armário escuro, tornando-se uma condição crônica gerenciável.

Os desafios no combate à dependência química são enormes e não cabe apenas ao governo enfrentá-los. É imprescindível que toda a sociedade – famílias, escolas, mídia e ciência – se mobilize para dar mais luz ao problema

Nos anos 1990, iniciou-se no Brasil e em parte do mundo um esforço de desconstrução do consumo de cigarro, que até então simbolizava status e glamour. Durante o governo FHC, medidas antitabagistas ousadas e bem-sucedidas foram implementadas, incluindo a proibição de propagandas e a demonstração dos danos à saúde, o que reduziu o número de fumantes de 32% para, nos dias atuais, apenas 10% da população adulta brasileira – um dos menores índices do mundo. Pesquisas indicam que cerca de 12% da população adulta brasileira tem algum tipo de dependência química, grupo no qual há uma incidência maior de comportamentos de risco e violência.

Quanto ao usuário de drogas ilícitas, é inadequado tratá-lo como um delinquente grave, marginalizando-o, ou com leniência excessiva. Ambas são atitudes extremadas: de um lado, prisões podem servir como escolas do crime; de outro, o usuário pode ser coautor dos delitos dos traficantes. Nesse contexto, a reabilitação surge como alternativa sensata, promovendo a recuperação da dignidade do indivíduo, prevenindo reincidências e contribuindo para a segurança pública. Investir em tratamento e reinserção social de quem tem dependência química significa romper o ciclo da criminalidade e devolver ao cidadão a possibilidade real de reconstrução de sua trajetória. A abordagem terapêutica equilibrada reconhece tanto a responsabilidade individual quanto a vulnerabilidade humana diante da dependência.

Recentemente, nas Filipinas, viu-se um exemplo emblemático de um desses antagonismos apontados acima. O ex-presidente Duterte foi preso por ordem da Corte Penal Internacional em virtude de sua política de guerra às drogas, marcada pela tolerância zero tanto a traficantes quanto a usuários. Detido em Haia, na Holanda, onde aguarda julgamento, foi recentemente eleito prefeito da metrópole de Davao, prova da popularidade da mesma política que o levou aos problemas com a Justiça.

No outro extremo, há quem ainda minimize os efeitos da maconha e defenda sua legalização. No entanto, é preciso considerar que os traficantes intensificam sua potência, elevando a concentração de THC (tetrahidrocanabinol, o principal componente psicoativo da planta) de 4% nos anos 1980 para até 30% atualmente. Como consequência, os efeitos psicológicos, físicos e cognitivos são bem mais danosos, mesmo para usuários casuais ou de fim de semana.

Além disso, inúmeros estudos analisam os efeitos deletérios da maconha, inclusive em revistas conceituadas de psiquiatria e medicina, como a The Lancet, fundada em 1823. Diversos experimentos compararam grupos de jovens usuários a grupos de não usuários da cannabis a longo prazo e mostraram que os usuários têm até 50% mais chances de desenvolver psicoses, depressão e ideação suicida.

Não há como ignorar que a cannabis pode ser porta de entrada para opioides mais perigosos, como crack, cocaína, heroína, fentanil, ecstasy e LSD. Nos EUA, a overdose já é uma das principais causas de morte entre pessoas de 18 a 45 anos. O consumo de fentanil, um opioide sintético 70 vezes mais potente que a morfina, avança a cada ano.

Percorreu-se um caminho espinhoso na busca da redução dos danos causados pelo consumo de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas. Embora o tema ainda seja cercado de preconceitos e tabus, é indispensável o combate estratégico e vigoroso aos tentáculos crescentes das redes de narcotráfico, que já são o maior empregador em muitos municípios do Amazonas. Um órgão da ONU estima que, em 2020, foram produzidas duas mil toneladas de cocaína nos países andinos, com rotas que passam pelas facções criminosas brasileiras rumo à Europa, África e Ásia – carga suficiente para 66 carretas. Ao mesmo tempo, e tão importante quanto, as políticas de conscientização, prevenção e tratamento da dependência química precisam de investimento, esforço e persistência.

Os desafios no combate à dependência química são enormes e não cabe apenas ao governo enfrentá-los. É imprescindível que toda a sociedade – famílias, escolas, mídia e ciência – se mobilize para dar mais luz ao problema. Haja luz! Fiat lux! Expressão do Gênesis, quando o Criador separa a luz das trevas, uma das mais icônicas da Bíblia, simbolizando clareza, conhecimento e ordem emergindo do caos.

Jacir J. Venturi, foi professor da educação básica e das universidade UFPR, PUCPR, Positivo, diretor de escola, pai de três filhos e avô de quatro netos. 

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