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Geração TikTok: limitar o celular não basta para livrar seu filho do emburrecimento coletivo

Por Gabriel Sestrem

Redação
Por: Redação Fonte: Gazeta do Povo
06/07/2025 às 08h38
Geração TikTok: limitar o celular não basta para livrar seu filho do emburrecimento coletivo
O TikTok popularizou o efeito da atenção fragmentada, comprometendo a capacidade de foco, concentração e aprendizado de crianças e adolescentes (Foto: Freepik)

O TikTok mudou as regras do jogo quando o assunto é o tempo gasto em frente às telas. A rede social chinesa não foi pioneira apenas da febre dos vídeos curtos e viralizáveis, mas também foi a primeira grande rede social a exibir um feed baseado nos seus interesses, e não em quem você segue.

Essa combinação explosiva criou o fenômeno do “scroll infinito”, que é o vício em deslizar a tela por horas a fio, sempre recebendo conteúdos mais ou menos do seu interesse. O problema é que isso não ficou só no TikTok: as rivais copiaram o modelo, e hoje todas as grandes redes sociais jogam o mesmo jogo.

Anos atrás, se você seguia 50 pessoas no Instagram, quando acabassem as novas publicações de todos veria uma mensagem mais ou menos como “Você já viu tudo por hoje”. Isso não existe mais há algum tempo.

Mas qual é o impacto disso em escala global, considerando que só o TikTok já tem mais de 1,6 bilhão de usuários (20% da população mundial) viciados em deslizar a tela? O resultado é a pandemia da atenção fragmentada. São centenas de milhões de cérebros passivos, viciados em dopamina, recebendo altas doses de conteúdos superficiais várias horas por dia.

Há, ainda, uma pergunta mais interessante: qual é o resultado do “fenômeno TikTok” para as crianças?

Se você, assim como eu, tem mais de 30 anos, talvez seu cérebro já tenha derretido um pouco com o vício em celular, mas pelo menos isso aconteceu na idade adulta. Você teve tempo de aprender sobre foco, concentração e profundidade. Já leu livros inteiros, estudou sem Google e ChatGPT, assistiu desenhos com menos estímulos, lidou inúmeras vezes com o tédio... E tudo isso ajudou a formar um cérebro capaz de lidar (um pouco melhor) com os superestímulos das redes sociais.

Mas com crianças e adolescentes não é assim. Como pais, nos cabe a missão de proteger os filhos do inevitável efeito de emburrecimento coletivo que essa e as próximas gerações estão praticamente condenadas. E já adianto: a regra de limitar o acesso ao celular não é o suficiente.

Antes de tudo: por que o TikTok chinês é tão diferente do resto do mundo?

Você deve saber que na China, o controle estatal da comunicação é um dos mais severos do mundo. Lá a censura rola solta, e o governo só permite que a população tenha acesso ao que interessa ao regime.

Mas tem algo interessante nessa história: apesar de a empresa ByteDance, criadora do TikTok, ser chinesa, lá a versão do aplicativo é totalmente oposta à que todo o resto do mundo tem acesso.

Na versão global do aplicativo, o algoritmo foca em promover exaustivamente o que mais gera engajamento: entretenimento rápido e viral, dancinhas, memes, estímulo à ostentação e conteúdos apelativos (muitas vezes com sexualização quase explícita) para maximizar o tempo de tela.

E aqui está o pulo do gato: na versão chinesa, esse tipo de conteúdo é desmonetizado, não impulsionado e muitas vezes removido. Por outro lado, o algoritmo é projetado para favorecer vídeos com conteúdo educativo, científico, cultural e técnico. Ou seja, crianças e adolescentes são expostos com frequência a vídeos sobre matemática, ciência, história, carreira e valores morais, por exemplo.

Lá, professores, cientistas e engenheiros são promovidos como influenciadores. Além disso, a plataforma bloqueia o acesso à noite e só permite que usuários menores de 14 anos usem o aplicativo por 40 minutos diários. Já entendeu, né? Não há incentivo ao vício em telas, e o tempo que é gasto no aplicativo é, via de regra, com conteúdos positivos.

Não digo que a versão chinesa seja ideal. Lá, tudo é controlado pela ditadura, e isso nunca é bom. Mas meu ponto é: por que a China oferece ao seu povo um produto diferente e substancialmente superior ao que exporta para o resto do mundo?

A China quer superar os Estados Unidos como potência global e sabe que, para isso, precisa formar novas gerações intelectualmente afiadas, emocionalmente estáveis e altamente produtivas. Vários estudiosos sobre redes sociais, incluindo ex-funcionários de Big Techs, já disseram que a estratégia chinesa parece ser dar aos próprios jovens conteúdos que fortaleçam disciplina e inteligência enquanto exporta ao mundo um aplicativo que distrai, vicia e emburrece.

A regra de ouro: proibir o celular não basta. É preciso estimular as habilidades certas

Adiar ao máximo o acesso às redes sociais é um ótimo começo. Crianças e adolescentes não têm maturidade emocional ou neurológica para lidar com a pressão enérgica pelo engajamento. Então o ideal é que não usem redes como TikTok antes dos 14 anos e, quando começarem a usar, que seja com limite de tempo e acompanhamento ativo dos pais. Regras como “ninguém usa o celular durante as refeições” também são importantes.

Mas esse é só o “ponto A”. Cedo ou tarde seus filhos inevitavelmente terão acesso ao controverso mundo das redes sociais, então o passo seguinte é estimular habilidades e comportamentos que a Geração TikTok terá mais dificuldade de desenvolver: foco, profundidade e concentração, além de tempo livre de telas.

E o primeiro passo para isso, sem dúvida, é o exemplo. É, no mínimo, injusto proibir os filhos de usar o celular quando você passa horas mergulhado na tela, na frente deles. Dê o exemplo: reduza seu próprio tempo com o celular nas mãos, leia livros, estude, faça atividades longe de qualquer dispositivo eletrônico... Isso ensina mais do que mil regras.

Ensinar o gosto pela profundidade desde cedo também é importante. Isso porque com o cardápio amplo de vídeos curtos e hiperestimulantes (no TikTok, Instagram ou outra rede), a superficialidade virou a regra. Tudo é fácil, mastigado, e nada leva ao raciocínio. A consequência natural é que a criança ou adolescente passe a desistir de tudo o que leva a alguma necessidade de pensar. Resultado: cérebro preguiçoso e incapaz de aprofundar em qualquer coisa.

Mas crianças aprendem a gostar do que são expostas com frequência. Portanto leia em voz alta para seus filhos, mesmo depois de eles aprenderem a ler. Apresente livros físicos, revistas, jogos de tabuleiro... E também estipule momentos sem telas. Momentos para vocês simplesmente conversarem, longe do celular.

E se o tédio bater? É ótimo que isso aconteça de vez em quando. O tédio ensina a mente a desacelerar, estimula a criatividade e fortalece a capacidade de concentração.

Outra coisa importante é justamente elogiar a concentração, não só o resultado. Em vez de elogiar o desenho que uma criança pequena fez, uma alternativa é dizer “Percebi que você ficou bastante tempo concentrado. Parabéns”. O mesmo pode ser feito com um adolescente que terminou de ler um livro ou fez qualquer outra atividade que exigiu concentração. É algo simples, mas poderoso.

Somos a primeira geração de pais que precisa lutar contra o emburrecimento digital

Em resumo, os pais daqui em diante terão um desafio que nenhuma outra geração de pais teve: proteger os filhos do emburrecimento coletivo gerado pelo vício em telas. É triste pensar que provavelmente a maioria dos futuros adultos não terá desenvolvido habilidades essenciais para lidar com suas futuras famílias e seus desafios pessoais e profissionais.

Mas você pode fazer diferente. Se tem um ou mais filhos, garanta que não absorvam passivamente os efeitos destrutivos da Geração TikTok. E limitar o acesso ao celular é só o primeiro passo dessa jornada árdua, mas que vale todo esforço. Faça sua parte!

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