Você tem a sensação de estar dormindo mal? Talvez a culpa esteja no seu prato. Em um cenário marcado por estresse, ansiedade e maus hábitos, prestar atenção no que escolhemos comer antes de dormir também pode influenciar, para o bem ou para o mal, a qualidade do descanso.
Mato Grosso do Sul registrou mais de oito mil afastamentos temporários de trabalho causados por transtornos de ansiedade e depressão em 2024. Embora os dados não representem diretamente a insônia, esses transtornos estão entre os principais causadores das dificuldades para dormir.
Um estudo da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), realizado em 2023 e divulgado em junho do ano seguinte, apontou que 72% dos brasileiros relataram algum tipo de distúrbio do sono, sendo 45% insônia e 15% insônia crônica.
Para ajudar a entender como a alimentação pode estar roubando o sono e quais hábitos podem estar por trás da insônia, o Jornal Midiamax conversou com médicos e nutricionistas.
A pedagoga Elcina Campiteli, de 53 anos, relata que costuma cuidar da alimentação durante a noite, com o intuito de evitar que a rotina alimentar interfira negativamente no período de sono. Um dos hábitos que a pedagoga adotou foi cortar o consumo de cafeína, chocolate, refrigerantes e refeições pesadas após as 19h.
Em sua rotina, Elcina detalha que passou a consumir mais frutas, iogurtes, castanhas e outros alimentos leves, para evitar a sensação de estufamento antes de ir deitar. Ela comenta que incluir estes alimentos no cardápio também a ajudou a não sentir fome no período noturno e, assim, conter o consumo excessivo de comida antes do horário de ir dormir.
“Quando eu como tarde, eu tenho que esperar pra deitar, então, já vai alterar até a minha rotina. Vamos supor que eu resolvi jantar às 22 horas; eu tenho que ficar acordada até meia-noite, pelo menos, porque incomoda. Parece até que vai voltar a comida se eu deitar, então, eu tenho que evitar comer muito tarde”, comenta.
Além disso, a pedagoga explica que enfrenta problemas com o sono, mais um fator que a motiva a cuidar bastante da alimentação. “Eu acordo [durante o período de sono] quase todas as noites. [O tempo de insônia] pode durar 40 minutos, ou até 3 horas, nos dias piores. Então, já tenho esse problema recorrente. Às vezes, durmo 4 horas e parece que eu já descansei tudo que eu precisava, mas ainda não é hora de levantar. Então, eu tenho que evitar uma alimentação pesada à noite e evitar sair da rotina”, detalha.
A publicitária Mariana Bernardy, de 44 anos, relata que sempre teve uma alimentação equilibrada, priorizando alimentos saudáveis e sem consumir muitos doces e ultraprocessados. No entanto, sofria bastante com cansaço e sono excessivo. Ao buscar uma resposta, descobriu que o problema era o excesso de café.
“[Apesar de ter boas noites de descanso,] eu levantava ainda com muito sono, querendo ficar na cama por mais algumas horas. Foi quando minha nutricionista questionou a respeito do café. Até então, eu era daquelas que dizia: ‘Ah, o café não muda nada pra mim, posso tomar até antes de dormir que não perco o sono’. Porém, ela me explicou a respeito de como as substâncias do café agem no cérebro e como são processadas pelo corpo”, relata.
Foi então que a profissional propôs à publicitária um ‘detox’ de cafeína por duas semanas. No início, Mariana confessa que mudar o hábito foi difícil, pois a falta da bebida lhe causava dores de cabeça e exaustão. Mas, após vencer os dias sem cafeína, sentiu mudanças reais na rotina.
“O corpo foi se ajustando e minha relação com o sono ficou muito diferente. Durmo bem, descanso de verdade e acordo com energia. Voltei a tomar café de forma mais equilibrada e, de tempos em tempos, reduzo as quantidades ou passo uns dias sem”, finaliza.
De acordo com a nutricionista Maria Rita Teixeira, o intervalo entre o jantar e a hora de ir dormir é um divisor de águas para ter uma boa noite de sono. Conforme explicação da profissional, o ideal é fazer a última refeição do dia, pelo menos, três horas antes de ir dormir. Na rotina ideal, o melhor horário para jantar seria às 18h.
“Neste horário, sua digestão ainda é eficiente e seu corpo tem tempo para fazer uma boa digestão. Assim, na hora de deitar, já não teria mais esse processo acontecendo e nosso corpo produziria melatonina (hormônio do sono) na quantidade ideal para iniciar o sono” complementa a nutricionista.
Segundo Maria Rita, se a pessoa tem costume de jantar tarde, o corpo não produzirá melatonina, porque estará focado em trabalhar na digestão. Por isso, quanto mais tarde se faz a refeição, maior é o impacto na qualidade do sono. “A digestão fica mais lenta, pode dar azia, refluxo, até pesadelos”.
Conforme explica a nutricionista, o ideal é priorizar alimentos mais calóricos e pesados de manhã e no almoço e, à noite, priorizar uma refeição leve. O ideal é optar por alimentos leves, legumes cozidos, sopas, carnes magras. Além disso, Maria Rita alerta que alimentos como café, chocolate, chás estimulantes, alimentos apimentados, bebidas alcoólicas e comidas gordurosas podem estar roubando o seu sono.
A cafeína é um estimulante que pode manter a pessoa acordada e alerta, bloqueando os receptores de adenosina, uma substância que promove o sono, segundo Maria Rita.
Para quem tem costume de dormir cedo, o ideal é não beber café após o almoço. No caso de pessoas que dormem mais tarde, o ideal é consumir a bebida respeitando o limite de 6 a 8 horas antes de ir dormir.
No caso de pessoas sensíveis à cafeína, a orientação é consumir a bebida apenas pela manhã e evitar o consumo depois das 14h. Para aqueles que forem de insônia, pode ser útil reduzir ou evitar o consumo de café no período da tarde e da noite.
Psiquiatra e especialista em sono, Dr. José Carlos Rosa Pires de Souza explica que dormir é um fenômeno ativo e de sobrevivência. Durante este ciclo, há um aumento da imunidade do sistema de defesa do organismo. Além disso, 85% dos hormônios do crescimento são produzidos enquanto dormimos.
Um indivíduo passa, em média, um terço da vida dormindo e um quinto sonhando, e, ainda, durante o sono, há solidificação da memória. “Pessoas que tendem a dormir mal, ou menos do que o necessário, tendem a viver menos, adoecer mais facilmente e morrer mais cedo”, diz o psiquiatra.
Durante o sono, o cérebro passa a consumir cerca de 12% a mais de oxigênio e glicose, o que aumenta o fluxo sanguíneo direcionado a essa região. Como consequência, o fluxo de sangue para o sistema digestivo é reduzido. Por isso, recomenda-se evitar alimentos pesados à noite, já que a digestão fica prejudicada nesse período, o que pode comprometer significativamente a qualidade do sono.
O psiquiatra ainda alerta que a insônia pode trazer prejuízos físicos, psicológicos, sociais e necessita de intervenção médica. É preciso diagnóstico das causas e tratamento multidisciplinar, incluindo medicação, higiene do sono, psicoterapia, relaxamento e mudança de hábitos em geral.
Marcilio Delmondes Gomes, neurologista especialista em Medicina do Sono, alerta que os principais sinais da insônia incluem: acordar pela manhã mal-humorado, com dores de cabeça e sensação de sono não reparador.
É necessário se atentar à dificuldade para iniciar, manter ou terminar um ciclo de sono. Outro sinal de que é necessária uma intervenção médica é se, ao longo do dia, apresentar sinais de sonolência, com rebaixamento cognitivo (desatento, desconcentrado, diminuição da memória, diminuição da produtividade nos estudos e trabalho).
O neurologista recomenda manter uma boa higiene do sono, o que inclui ter horários regulares para dormir e acordar, além de evitar hábitos e substâncias que prejudiquem a qualidade do sono. Entre os fatores que podem interferir, estão: o uso de psicoestimulantes, a prática de atividade física ou tomar banho próximo da hora de dormir, a presença de luz no quarto, o uso de medicações estimulantes à noite e o consumo de entorpecentes.
Também é importante evitar ambientes com muita claridade ou temperatura elevada na hora de dormir. Outras práticas não indicadas incluem assistir a filmes de terror, suspense ou ação à noite; consumir substâncias estimulantes no fim do dia, como bebidas cafeinadas (chimarrão, tereré, chá-mate, chá-preto, achocolatado, refrigerantes à base de cola, guaraná em pó e café); e o uso de nicotina, como o hábito de fumar.